Se a perda de um único filho é uma dor imensurável, imagina sete, e num espaço de 15 dias? Preso acusado de envolvimento na morte de dois PMs em Vitória da Conquista, no sudoeste baiano, o cigano Rodrigo Silva Matos tinha conhecimento até o dia 20 deste mês que quatro dos seus 10 filhos tinham sido mortos pela polícia. Mas a baixa na família não parou. Anteontem, mais três foram mortos numa outra caçada aos ciganos restantes que estão sendo acusados de participar da execução do tenente Luciano Libarino Neves, 34 anos, e do soldado Robson Brito Matos, 30. Três ainda são procurados pela polícia, sendo dois adolescentes.
Parentes temem que a família seja dizimada. “O pai está
inconsolável. A mãe, a mesma coisa. Eles perderam sete filhos e três estão
sendo caçados iguais a bicho. Eles [policiais] estão aterrorizando, invadindo
casas de pessoas inocentes. A situação está muito difícil. Os que estavam
envolvidos nas mortes dos policiais já foram mortos no início. Agora,
eles [policiais] querem matar todos os irmãos, que são 10 no total”, declarou
uma parente dos ciganos mortos. Por medo de represália, ela abandonou a casa em
Vitória da Conquista.
No dia 13 deste mês, o tenente e o soldado, ambos lotados na
92ª Companhia Independente de Polícia Militar (CIPM/ Vitória da Conquista /
Ronda Rural), foram mortos no distrito de Josué Gonçalves quando foram à
paisana apurar denúncias de roubos na região e acabaram sendo identificados e
baleados.
O primeiro filho do cigano Rodrigo a ser morto foi Ramon da Silva Matos, baleado
no mesmo dia da execução dos PMs no bairro de Lagoa das Flores. Ele teria
reagido a tiros. No dia seguinte, mais três vieram a óbito. Morais da Silva
Matos, 13, foi baleado dentro de uma farmácia em Vitória da Conquista. Apesar
de a circunstância ainda não ter sido esclarecida, a família acusa a polícia. Já
na cidade de Itiruçu, Arlan e Dalvan da Silva Matos estavam num CrossFox, de
cor preta, e teriam reagido a tiros ao avistarem uma barreira da PM. Foram
atingidos (veja cronologia abaixo).
“Estive com o seu Rodrigo no último dia 20. Ele já estava
fragilizado, pois naquele momento, ele só sabia da morte dos três, Arlan,
Dalvan e do Ramon. Quando eu falei que Morais também tinha sido morto, os olhos
dele encheram de lágrimas, balançou a cabeça e ficou muito triste. Abalado, ele
perguntou pelos outros e eu falei que a gente estava tentando achá-los para
perguntar o que, de fato, aconteceu naquele dia e ajudar de alguma forma”,
contou o cigano Rogério Ribeiro, presidente do Instituto Cigano do Brasil
(ICB).
Rodrigo foi preso no dia 14, acusado de ser um dos autores
dos disparos que mataram os PMs. Ele contou ao cigano Rogério Ribeiro que
estava sendo ameaçado por causa de umas terras que comprou na região. “Um
corretor vendeu as terras a ele. Dias depois, apareceu um suposto dono dizendo
que Rodrigo teria que sair, em um tom de ameaça, dizendo que: ‘se não saíssem
por bem, sairiam por mal’. Então, todos estavam com os ânimos à flor da pele,
pois esperavam que viriam pistoleiros ou outras pessoas para matá-los”, relatou
Rogério.
Anteontem, o ICB recebeu um vídeo e várias fotos dos corpos de Sólon, Diogo e
Bruno Silva Matos, mortos na zona rural do município de Anagé. Na
gravação, aparece a voz de um homem e de mais duas pessoas tratando com desdém
os corpos dos ciganos no hospital de Anagé. “Eles estavam rindo, comemorando as
mortes, aproximavam a câmera e desdenhavam dos corpos. Conseguimos identificar
que a voz é de um servidor do hospital. As famílias vendo tudo isso, como
ficam? Não é só porque são ciganos. Mas não se deve agir desta forma com
ninguém”, declarou Rogério.
O instituto encaminhou o vídeo e um ofício ao presidente da
Comissão Nacional de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB),
Hélio Leitão, pedindo providências contra o servidor de Anagé e contra todos
que participaram da gravação. Procurada, a OAB disse que ainda não recebeu o
ofício.
Um dia após as mortes do tenente e do soldado, Rodrigo
estava com Arlan quando foi baleado. “Ele relatou que estava cavando uma cerca
lá no terreno junto com Arlan, ajeitando um galinheiro, recebeu um tiro no
braço direito e caiu. Quando acordou, estava no hospital da cidade. Alguém
levou ele para lá, mas não soube dizer quem”, contou Rogério. No mesmo dia,
Arlan acabou morto com o irmão Darlan em Itiruçu.
Proteção
Uma família de ciganos de Vitória da Conquista está sendo acompanhada pela
Defensoria Pública do Estado (DPE/BA) após a instituição receber denúncias de
perseguição de policias militares à comunidade cigana depois do assassinato dos
PMs. Cinco mulheres e sete crianças da família foram para um município vizinho,
e a Defensoria busca a inserção delas em um programa de proteção a testemunhas.
“A mãe dos meninos, as mulheres dos meninos, os filhos dos meninos que foram
mortos correm risco de morte, assim como todos nós. Toda a comunidade cigana
está apavorada”, contou uma parente dos ciganos que não vive mais na região de
Conquista.
A assessoria da Secretaria de Segurança Pública (SSP-BA) foi
procurada, mas pediu que a reportagem entrasse em contato com a Polícia
Militar, que não retornou até o fechamento desta edição.
Proteção
Uma família de ciganos de Vitória da Conquista está sendo acompanhada pela Defensoria Pública do Estado (DPE/BA) após a instituição receber denúncias de perseguição de policias militares à comunidade cigana depois do assassinato dos PMs. Cinco mulheres e sete crianças da família foram para um município vizinho, e a Defensoria busca a inserção delas em um programa de proteção a testemunhas. “A mãe dos meninos, as mulheres dos meninos, os filhos dos meninos que foram mortos correm risco de morte, assim como todos nós. Toda a comunidade cigana está apavorada”, contou uma parente dos ciganos que não vive mais na região de Conquista.
A assessoria da Secretaria de Segurança Pública (SSP-BA) foi procurada, mas pediu que a reportagem entrasse em contato com a Polícia Militar, que não retornou até o fechamento desta edição.
Entenda a cronologia dos crimes:
13 de julho – O tenente Luciano Libarino Neves, 34 anos, e o soldado Robson Brito Matos, 30, são mortos durante uma investigação no distrito de Josué Gonçalves, em Vitória da Conquista. Um grupo de ciganos seriam os assassinos.
13 de julho – No mesmo dia do assassinato dos policiais o cigano Ramon da Silva Matos foi morto pela polícia, no bairro de Lagoa das Flores, durante confronto. Ele foi socorrido, mas chegou sem vida ao hospital.
14 de julho – O cigano Rodrigo Silva Matos é preso suspeito de envolvimento na morte dos dois policiais militares. Ele é pai de Ramon e dos outros ciganos que seriam assassinados nos dias seguintes.
14 de julho - Arlan e Dalvan da Silva Matos são assassinados na cidade de Itiruçu em confronto com PMs, após a prisão do pai. No mesmo dia Morais da Silva Matos, 13, morre depois de ser baleado em uma farmácia em Vitória da Conquista. Apesar da circunstância ainda não ter sido esclarecida, a família acusa a polícia.
18 de julho - O empresário Diego Santos Souza, 29 anos, morreu em Conquista. Ele foi encontrado dentro de um carro carbonizado. Testemunhas afirmam que o jovem foi confundido com um cigano, mas a polícia investiga as hipóteses de acidente ou homicídio.
28 de julho - Sólon, Diogo e Bruno Silva Matos são mortos durante confronto com a polícia no município de Anagé. Segundo a PM, eles estavam às margens do rio Gavião e revidaram a abordagem. (Correio24Horas)