Autor do fenômeno literário “Torto Arado” fala, no STF, sobre herança colonial, escravidão e conflitos agrários


O escritor baiano Itamar Vieira Júnior, autor do livro “Torto Arado”, um dos maiores sucessos editoriais do país nas últimas décadas, foi o convidado desta segunda-feira (26/06) do projeto “Diálogos com o Supremo”. Na sede do Supremo Tribunal Federal, o escritor, que é funcionário da Funai na Bahia, disse que jamais pensou que um dia falaria no STF na condição de comunicador, e exaltou o papel da Corte como um dos pilares da democracia brasileira.


“A terra é a grande personagem dessa história, e atravessa de maneira incontornável a vida de todas as outras personagens, primeiro porque esta é narrativa ambientada no chão histórico da Chapada Diamantina, um lugar quase mágico situado na vastidão do que é o Brasil. Um território que como tantos outros, foi brutalizado pelo empreendimento colonial e escravista europeu, marcando definitivamente o nosso presente”, disse Itamar Vieira Júnior, ao falar do seu livro.

Foto: Reprodução TV Justiça


O romance Torto Arado foi lançado em 2019 no Brasil, e depois de enorme sucesso de vendas e de críticas, com mais de 700 mil exemplares vendidos, já foi traduzido em mais de 20 países. O livro relata a história das irmãs Bibiana e Belonísia, desde a infância à vida adulta. O enredo se passa no interior da Bahia, na Chapada Diamantina, uma região que recebeu um contingente grande de trabalhadores, submetidos a uma situação degradante de trabalho, análoga à escravidão.


“Torto Arado pretendeu ser uma jornada por corpos e territórios de um povo, pretendeu restituir a possibilidade de uma existência maior, muito além dos dogmas e dos paradigmas que nos foram legados desde um tempo tão remoto, mas que ainda ecoam ferozes em nossas vidas”, disse o escritor.


Itamar Vieira Jr, que é doutor em Estudos Étnicos e Africanos pela Universidade Federal da Bahia, destacou uma frase do livro que, para ele, resume a sua disposição de escrever Torto Arado: “foi cavalgando seu corpo que senti que o passado nunca nos abandona”. Segundo o escritor, essa frase norteia muito da vida em sociedade do povo brasileiro, das nossas sequelas sociais e históricas que, para ele, ainda impactam a vida de toda a população.


“Compreendo que haveria inúmeras razões para escrever o romance, mas se tivesse que eleger apenas uma: meu objetivo era registrar o amor à terra que vi camponeses declararem ao longo dos anos enquanto trabalhava no campo”, afirmou.

O autor disse na sua palestra no STF que sua ideia foi situar o romance “Torto Arado” em cerca de 40 anos, a partir de 1960, mas lembrou que as questões sociais apresentadas no livro ainda persistem no País. Para Itamar Vieira Jr., um modelo de estrutura social forjada na época do Brasil Colônia até hoje se manifesta nos conflitos no campo pela posse da terra, na submissão dos povos indígenas, na discriminação de gênero, que oprime as mulheres, entre outras mazelas que, para ele, ainda são relevantes.


“Desde o começo da narrativa, ganhamos a consciência de que os processos históricos do meio em que vivemos atravessam os nossos corpos, e influem na nossa experiência, que é individual, mas que também é coletiva. A escravidão é um evento remoto no tempo, sequer é assunto de conversas entre vizinhos e parentes, mas parece determinante para compreender a nossa formação social atravessada por eventos duradouros e violentos. O tempo me permitiu compreender que as marcas da história estão inscritas nos nossos corpos. Estão nas nossas trajetórias, nos códigos genéticos e ancestrais, e não nos abandonam ainda que este seja o nosso propósito”, relatou o escritor baiano.


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